Gustavo Oliveira Vieira
A lei que dispõe sobre o processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Lei 9868 de 10 de novembro de 1998, introduziu ao nosso sistema de jurisdição constitucional, no caso, ao sistema de controle concentrado de constitucionalidade brasileiro, em seu artigo 9º §1º, a possibilidade do Ministro do STF, relator da ação, convocar audiência pública para “ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria”, no caso da ADIn, e artigo 20 §1º para ADC. Posteriormente, a lei que dispõe sobre o processo e julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a lei 9882 de 3 de dezembro de 1999, seguiu o mesmo caminho, no seu artigo 6º § 1º.
Levou 9 anos até a primeira audiência pública ser realizada, o que ocorreu no âmbito da ADIn 3510 sobre células tronco embrionárias. Nas palavras do Ministro Relator da ADIn 3510, ao apresentar seu voto em março de 2008: “Convencido de que a matéria centralmente versada nesta ação direta de inconstitucionalidade é de tal relevância social que passa a dizer respeito a toda a humanidade, determinei a realização de audiência pública, esse notável mecanismo constitucional de democracia direta ou participativa. O que fiz por provocação do mesmíssimo professor Cláudio Fonteles e com base no § 1º do artigo 9º da Lei nº 9.868/99, mesmo sabendo que se tratava de experiência inédita em toda a trajetória deste Supremo Tribunal Federal. Dando-se que,no dia e local adrede marcados, 22 (vinte e duas) das mais acatadas autoridades científicas brasileiras subiram à tribuna para discorrer sobre os temas agitados nas peças jurídicas de origem e desenvolvimento da ação constitucional que nos cabe julgar”.
Com objetivo de dar ênfase às palavras do relator, repito, a audiência pública como um “notável mecanismo constitucional de democracia direta ou participativa”. Democracia esta que se aproxima procedimentalmente muito mais do Legislativo e do Executivo, pelo processo eletivo de seus membros, do que do Judiciário. Não que exista uma blindagem democrática ao Judiciário, pois estão submetidos republicana e democraticamente a um sistema constitucional democrático, e seu dever é julgar conforme um direito engendrado democraticamente. Aliás, na concepção de Dworkin, julgar não é um poder, mas um dever.
Após a primeira experiência, com a ADIn 3510 (células tronco embrionárias), cujas audiências públicas ocorreram em 2007, a experiência foi seguida também para as ADPFs 54 (aborto/interrupção terapêutica da gravidez em caso de anencefalia), 101 (importação de pneus usados) e agora a ADPF 186 (ação afirmativa/cotas) cujas audiências públicas ocorrem entre os dias 3-5 de março de 2010. Será a quinta audiência pública realizada pelo STF.
Chamo a atenção à participação da Professora Jania Saldanha que estará presente na audiência pública a realizar-se no dia 5 de março de 2010 onde compartilhará a experiência das ações afirmativas na Universidade Federal de Santa Maria, às 15h. A professora Jania foi co-autora, juntamente com a professora Deisy Ventura, da resolução que estabeleceu o regime de quotas na UFSM.
O Direito corre o risco de perder o contato com a realidade social, condição que deve ser resolvida pela assunção da Democracia. O Direito, que se situa na tensão entre a facticidade e a validade, tem sua legitimação construída necessariamente em procedimentos democráticos (para lembrar Habermas). O risco de perder o contato com a realidade é ainda maior quando as decisões são tomadas num espaço tão distante – geográfica e metaforicamente. A abertura democrática criada pelas audiências públicas do STF é o reconhecimento dessa tensão entre Direito e Democracia, faticidade e validade, que a partir da vontade política dos cidadãos, seus especialistas, suas experiências e expectativas, fundamental para se buscar - metaforicamente – as respostas corretas (na acepção de Dworkin e Streck).
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ResponderExcluirÉ isso aí! Show. Queria lembrar que a abertura do Judiciário e seu crescente aparecer na sociedade são eventos que toda população hoje percebe. Há algum tempo atrás você saía na rua e perguntava para um sujeito qualquer o nome de um ministro do STF e ele nem imaginaria. Hoje eles fazem parte da mídia, são transmitidos ao vivo, e resolvem problemas cada vez mais "nossos (cf. Boaventura de Sousa Santos, "Para uma revolução democrática da Justiça").
ResponderExcluirMelhor que façamos parte disso, ativa e participativamente. Certamente o princípio da autolegislação de Habermas precisa ser transposto (ou pensado) para o Judiciário agora, não como sujeitos que se entendem autores-destinatários das regras (lei, genericamente), mas sujeitos que se entendem autores-destinatários dos julgamentos.
Um grande abraço e parabéns pelo blog.
Santiago Artur Berger Sito.
Olá Gustavo, parabéns pelo blog. Desde já sigo-o. Se puder acesse meu blog e leia artigo sobre a DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E “O PROCESSO” DE FRANZ KAFKA: www.marapauladearaujo.blogspot.com
ResponderExcluirFelicidades