terça-feira, 27 de julho de 2010

DESEJO


Victor Hugo


Desejo primeiro que você ame,

E que amando, também seja amado.

E que se não for, seja breve em esquecer.

E que esquecendo, não guarde mágoa.


Desejo, pois, que não seja assim

Mas se for, saiba ser sem se desesperar


Desejo também que tenha amigos

Que mesmo maus e inconseqüentes

Sejam corajosos e fiéis

E que pelo menos em um deles

Você possa confiar sem duvidar


E porque a vida é assim

Desejo ainda que você tenha inimigos

Nem muitos, nem poucos

Mas na medida exata para que

Algumas vezes você se interpele

A respeito de suas próprias certezas.

E que entre eles

Haja pelo menos um que seja justo


Desejo depois, que você seja útil

Mas não insubstituível

E que nos maus momentos

Quando não restar mais nada

Essa utilidade seja suficiente

Para manter você de pé.


Desejo ainda que você seja tolerante

Não com os que erram pouco

Porque isso é fácil

Mas com os que erram muito e irremediavelmente

E que fazendo bom uso dessa tolerância

Você sirva de exemplo aos outros


Desejo que você, sendo jovem,

Não amadureça depressa demais

E que sendo maduro

Não insista em rejuvenescer

E que sendo velho

Não se dedique ao desespero

Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor


Desejo, por sinal, que você seja triste

Não o ano todo, mas apenas um dia

Mas que nesse dia

Descubra que o riso diário é bom

O riso habitual é insosso

E o riso constante é insano.


Desejo que você descubra

Com o máximo de urgência

Acima e a respeito de tudo

Que existem oprimidos, injustiçados e infelizes

E que estão bem à sua volta


Desejo ainda

Que você afague um gato, alimente um cuco

E ouça o joão-de-barro

Erguer triunfante o seu canto matinal

Porque assim, você se sentirá bem por nada


Desejo também

Que você plante uma semente, por menor que seja

E acompanhe o seu crescimento

Para que você saiba

De quantas muitas vidas é feita uma árvore


Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro

Porque é preciso ser prático

E que pelo menos uma vez por ano

Coloque um pouco dele na sua frente e diga: "Isso é meu"

Só para que fique bem claro

Quem é o dono de quem


Desejo também

Que nenhum de seus afetos morra

Por eles e por você

Mas que se morrer

Você possa chorar sem se lamentar

E sofrer sem se culpar


Desejo por fim

Que você sendo homem, tenha uma boa mulher

E que sendo mulher, tenha um bom homem

Que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes

E quando estiverem exaustos e sorridentes

Ainda haja amor pra recomeçar

E se tudo isso acontecer

Não tenho mais nada a lhe desejar

quarta-feira, 7 de julho de 2010

REPÚBLICA MUNDIAL, FEDERATIVA E SUBSIDIÁRIA: a ótica de Otfried Höffe



Gustavo Oliveira Vieira

“Posto que as pessoas, dentro de seus próprios limites, seguem regras coletivas, tais como costumes e direitos, vê-se então despontar uma vontade de que também se estabeleçam relações transnacionais sob uma forma jurídica. Atribui-se a uma vontade jurídica desse tipo, internacional e transnacional, atravessando, pois, os limites impostos por fronteiras, o surgimento dos primeiros impulsos e dos trabalhos pioneiros na área de um Direito supranacional. Desde o início, houve duas áreas de atuação nesse campo jurídico: um Direito Internacional Público, ou Direito das Gentes, que cuida das relações interestatais, e um Direito Internacional Privado, mais tarde, Direito Cosmopolítico, que regula as relações intersociais, ou seja, o comércio, o casamento entre cidadãos de países diferentes e o intercâmbio científico e cultural” (HÖFFE, 2005, p. 16).

O objetivo do presente texto é apresentar alguns comentários à obra “Democracia no Mundo de Hoje” de Otfried Höffe. Nascido em 1943, Höffe é professor catedrático da Universidade de Tübingen, e atualmente é um dos maiores estudiosos da obra de Immanuel Kant (1724-1804) – tendo publicado obra homônima em 1995, e com reconhecimento também no Direito a partir da publicação de “Justiça Política” (Politische Gerechtigkeit, 1987) – onde evidencia a inseparável relação da Política com a Justiça e o Direito, entre outras.

Em “A Democracia no Mundo de Hoje” (Democratie im Zeitalter der Globalisierung, 1999), publicado no Brasil em 2005 pela editora Martins Fontes, o autor alemão apresenta uma proposta de República Mundial complementar em relação aos Estados, por isso edificada a partir de dois princípios da organização política estruturantes, subsidiariedade e federalismo, cujo objetivo é garantir uma ordem jurídica global de justiça.

A tese parte do seguinte pressuposto: a necessidade de ação que não se atém a fronteiras entre os Estados. Quando a necessidade de ação se torna global, toma forma a idéia de um Estado igualmente global, uma ordem jurídica e estatal de natureza internacional que, graças à auto-organização enfática, se estabelece como democracia global, como República Mundial” (2005, p. 1), de modo que as soluções de problemas globais não fiquem entregues apenas “à forças de mercado (neoliberalismo) nem a uma evolução meramente contingente (teoria sistêmica), e muito menos a uma combinação dessas duas componentes” (ibid., p. 2).

A primeira parte do texto descerra os Desafios da Época, iniciando com a globalização complexa - “a globalização como crescimento e consolidação das relações sociais internacionais” (p. 6), num ambiente de novos atores e novos desafios que transcendem os limites estatais, exigindo nova forma de ato político que venha complementar o Estado, não substituí-lo. Höffe aponta o destino comum da humanidade em três dimensões: 1. Uma comunidade de violência multifacetada que usa o poder em detrimento do Direito num desserviço ao bem-estar humano (armamentismo, terrorismo, guerras, etc.); 2. À serviço da vida e do bem-estar também existe uma comunidade de cooperação que envolve grupos de pressão globais em favor dos direitos humanos (tribunais com competência mundial, responsabilização internacional dos Estados por violação dos direitos humanos, liberalização da economia, opinião pública mundial, etc.); 3. Por força do ônus da economia transnacional como o desemprego, danos ambientais formando uma comunidade de miséria e sofrimento (fome, pobreza, subdesenvolvimento).

Daí o autor parte a uma conclusão ou visões para o futuro. A forma para responder aos desafios da globalização aponta para “um imperativo moral a supremacia do direito e da justiça sobre a violência” (2005, p. 20) – imperativo universal do Direito, do Estado e da Democracia. “Ainda será necessário averiguar cm exatidão em que áreas de atuação urge uma ação global e que princípios deverão norteá-la. Nos três grupos de fenômenos, porém, já se delineam três áreas: (1) no intuito de se abolir a comunidade de violência, é imperativo que se instaure uma ordem global de direito e paz; (2) a comunidade de cooperação global carece de uma esfera de ação imparcial pautada pela justiça, abrangendo desde medidas contrárias a distorções de concorrência por parte dos Estados até a garantia de critérios sociais e ecológicos mínimos; (3) por último, a fome e a miséria lançam questionamentos acerca de justiça social, mas também de solidariedade global e de filantropia global” (2005, p. 22), propondo-se a pensar um ‘ainda-não’ possível de ser alcançado numa ordem global de paz.

Höffe desenvolve uma proposição elaborada a partir dos referenciais kantianos, retomando a cada desdobramento de sua proposta as três principais obras de Kant para a formação de uma ordem cosmopolita (À Paz Perpétua, A Doutrina do Direito e Idéia de uma História Universal de um Ponto de vista Cosmopolita), assim como os as críticas apresentadas ao projeto kantiano.

Ao construir a proposta de uma República Mundial, Höffe analisa as principais objeções até então apresentadas por diversos autores aos projetos teóricos existentes até então, sustentando com base nos princípios da subsidiariedade e do federalismo um sistema adequado à edificação de uma ordem jurídica mundial. Ademais, sua proposta é assentada em princípios de justiça e de legitimação pela democratização do sistema jurídico.

Höffe também oferece uma visão profunda sobre a filosofia kantiana e sua perspectiva cosmopolita sobre o Direito e a Paz, além de conferir pressupostos ao direito justo, debater sobre o direito intercultural e demais constructos do pacifismo jurídico, conforme lista de referências abaixo. “nenhum Estado pode viver sua própria história sem ser influenciado por todos os outros” (2005, p. 17). Vale a pena conferir!


REFERÊNCIAS E SUGESTÕES PARA CONSULTA:

HÖFFE, Otfried. A democracia no mundo de hoje. Tradução de Tito Lívio Cruz Romão. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 564p.

HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 408p.

HÖFFE, Otfried. Kant's cosmopolitan theory on law and peace. Cambridge: Cambridge, 2006. 254p.

HÖFFE, Otfried. Justiça política. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 545p.

HÖFFE, Otfried. Derecho intercultural. Barcelona: Gedisa, 2001. 288p.