Gustavo Oliveira Vieira
(Texto publicado no site do CEIRI - webceiri.com.br e em espanhol em: http://www.aiven.org/profiles/blogs/la-situacion-de-los-derechos).
A efetividade dos direitos humanos na América Latina não foi e não é exemplar. Ainda assim, avanços sistemáticos podem ser percebidos pela melhoria dos indicadores sociais, como índices de analfabetismo, mortalidade infantil, expectativa de vida, consolidação de democracias, entre outros. Todavia, a situação atual dos direitos humanos na Venezuela, sobretudo ante os recentes distúrbios, demonstra condições preocupantes.
A Venezuela, ou melhor, a República Bolivariana da Venezuela, estado organizado a partir de um sistema federativo e presidencialista, conta com aproximadamente 28 milhões de habitantes, 93% alfabetizados e com expectativa de vida de 73,2 anos, ocupando a posição 74 no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), classificada na faixa do IDH médio. Sua economia é fortemente baseada na extração e exportação do petróleo.
De acordo com o Relatório 2010 da Organização Não Governamental Human Rigths Watch, uma das mais respeitadas e independentes organizações internacionais de direitos humanos, “o Presidente Hugo Chávez e seus apoiadores efetivamente neutralizaram a independência do judiciário da Venezuela”. Mais do que isso, o relatório alerta para as ameaças à liberdade de expressão dos jornalistas, a liberdade de associação dos trabalhadores e dos defensores dos direitos humanos, em atos como a perseguição de opositores políticos ou membros da mídia críticos ao governo (HRW, World Report 2010, p. 250). Vale lembrar que o pesquisador chileno da Human Rights Watch que foi lançar um relatório denunciando violações à liberdade de expressão na Venezuela acabou expulso do país, confirmando o conteúdo do relatório.
É sabido que há uma mídia de oposição consistente na Venezuala. Conquanto, de acordo, também, com o informe anual da ONG PROVEA, a liberdade de expressão e de informação tem sido duramente violada. No período que cobre o relatório 2008 e 2009, foram registrados 121 violações do direito à liberdade de expressão, sendo a agressão o meio mais recorrente, seguido da censura e intimidação. Entre as principais vítimas, estariam jornalistas e repórteres assim como profissionais da fotografia e operadores de câmeras e equipe técnica. Um total de 55 meios foram afetados por ataques as suas sedes, entre eles 53 privados e 2 comunitárias (PROVEA, Situación de Derechos Humanos em Venezuela, Informe Anual, octubre 2008-septiembre 2009, página 40).
Para corroborar com estas informações, a primeira frase do Relatório sobre o Estado dos Direitos Humanos no Mundo elaborado anualmente pela Anistia Internacional é a seguinte: ataques aos jornalistas foram generalizados, além disso, os defensores dos direitos humanos continuam a sofrer perseguição. O governo também tem atacado a credibilidade das organizações de defesa dos direitos humanos, especialmente a legitimidade dos defensores da causa, como forma de se defender aos relatórios apresentados. (Amnesty International Report 2009: the state of the world´s human rights, p. 354).
Além disso, a Venezuela responde a processos na Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a questão da emissora de televisão Globovisión (Caso de la Emisora de Televisión ‘Globovisión’) e dos diários “El Nacional” e “Así es la notícia” (Caso diário “el Nacional” y “Así es la notícia”), reiterando tudo o que as ONGs declaram e denunciam.
Não se pode olvidar outras questões também apontadas em tais relatórios, como preocupações com as prisões desumanas, a questão da violência doméstica (Anistia Internacional), especialmente contra mulheres e meninas, assim como alguns avanços no que diz respeito ao direito à alimentação, educação e moradia (PROVEA). Mas o que se quer chamar atenção por ora é no que tange aos retrocessos e ameaças democráticas.
A democracia e os direitos humanos têm uma relação de condicionamento recíproco. Ameaçar um é afetar o outro diretamente. Não apenas no que diz respeito aos direitos políticos, mas também a relação dos direitos civis (aqui entra liberdade de expressão, de pensamento, livre acesso à informação, imprensa livre), direitos sociais, econômicos e culturais como condição de possibilidade para a construção e manutenção da democracia. Ademais, inexiste democracia sem judiciário independente.
Com isso, a reeleição não é condição ideal para a democracia. Quanto mais a inexistência no limite de reeleições consecutivas, pois abre as comportas para a manutenção do poder de um partido único sem perspectivas de renovação. Haja vista o fato de em países onde há a possibilidade de uma reeleição, consecutiva, seus governantes em regra dobrarem o tempo de mandato (nos EUA, por exemplo, os últimos ex-presidentes todos se reelegeram, assim como desde que há possibilidade de reeleição no Brasil, esta ocorre; na Colômbia, etc.).
Hoje, na Venezuela, o governante que acaba de completar 10 anos no poder almeja outros 10. Não há democracia que tenha exemplos como este, a não ser se buscarmos a história institucional dos países no curso de outros tipos de governo, que não sejam democráticos. Ainda não está claro o limiar de violações que evocariam a atuação ou pelo menos a manifestação de outros estados e organizações internacionais, como MERCOSUL, UNASUL, OEA e ONU. Ainda mais quando estes exemplos passam a ser replicados pelo continente, ou se tornam, de alguma forma, modelo, num continente em que a democracia ainda está em construção, e a instabilidade política minou a existência de gerações.
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