Gustavo Oliveira Vieira
O polêmico Programa Nacional de Direitos Humanos 3 consegue desagradar vários setores da sociedade simultaneamente. Desagradou aos militares, por retomar o debate sobre a verdade e a memória dos crimes praticados pelo Estado do período pós-64 e ao evocar a revisão da lei de Anistia de 1979, aos ruralistas por orientar novas regras à reintegração de posse e aos religiosos, por indicar a não ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos e buscar maior isonomia legal em relação aos casais homoafetivos para regularização jurídica da relação e adoção, além de pautar a questão da descriminalização do aborto. É preciso compreender um pouco melhor o suas origens e o seu alcance.
1. O PNDH-3 foi criado a partir de um debate público. A efetiva autoria do programa é conseqüência de um processo de debate que se inicia nos municípios, é conduzido aos níveis estadual e passa ao nacional, num acúmulo de demandas debatidas aberta e publicamente, que contou com a participação de aproximadamente 14.000 pessoas. Os participantes em regra são membros de organizações da sociedade civil de promoção dos direitos humanos ou de setores estatais relacionados. O Presidente Lula não criou o programa, mas aquiesceu com o mesmo ao emitir o Decreto.
2. O Programa não é um projeto deste governo. Aliás, o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos foi resultado de um processo similar em 1999, quando o partido de oposição ocupava a chefia da Administração da União. Portanto, não resume simplesmente a idéia governamental, mas é resultado de encontros abertos a todos. Muito mais do que isso, o Programa é uma recomendação do Plano de Ação da Conferência de Direitos Humanos realizada em Viena no ano de 1993, da qual o Brasil participou ativamente. Ou seja, é uma recomendação internacional da qual o Brasil manifestou concordância.
3. O ato que deu publicidade ao plano foi um Decreto Presidencial (de número 7037, assinado dia 21 de dezembro de 2009 e publicado no Diário Oficial do dia seguinte). Isso quer dizer que se trata, nada mais nada menos do que um plano, que, por sua vez, exige, para sua efetiva implementação, cooperação entre os poderes. Entre os atos necessários estão processos legislativos para a criação de leis, ou, pelo mínimo, medidas provisórias (que exigem também aprovação congressual). Alguns aspectos exigirão mesmo Emendas à Constituição que, para tanto, demandam a aprovação de três quintos dos membros de cada casa do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados e Senado Federal, em dois turnos de votação. Ou seja, não é um debate fechado, mas aberto.
4. O debate posto na mídia atualmente, em que todos os pontos polêmicos são evidenciados e criticados tende a produzir efeito algum, a não ser um desgaste oportuno, para alguns, em ano eleitoral, e manter a superficialidade do debate sobre temas relevantes à sociedade brasileira. São todos pontos de relevo para a vida nacional, muitos deles inclusive são antigas reivindicações de setores da sociedade – como a questão dos símbolos religiosos que de tempos em tempos retorna à mídia, outros mais recentes, como o tema das uniões homoafetivas cuja aceitação social se amplia aos poucos, tendo, inclusive, jurisprudência pacificada sobre alguns aspectos. Todavia, para um debate qualificado, profundo, democrático e democratizante sobre todos estes distintos assuntos, é fundamental que sejam feitos um a um.
5. Por uma solução política em ano eleitoral, tudo indica que o governo irá moderar em suas atitudes para efetivar o programa, notadamente no (não) encaminhamento dos projetos de leis ou ao (não) apoiar com ênfase os que já se encontram tramitando. Todavia, inevitavelmente, em algum momento as decisões sobre os assuntos pautados terão que ser tomadas, e melhor que seja pela via mais democrática e aberta ao debate público. Lembrando que há temas em pauta no judiciário, como a questão da lei da Anistia, a descriminalização do aborto em caso de anencefalia, entre outros decididos diariamente em casos concretos.Assim, o que o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 traz é um amplo debate público que deve, sem dúvida, se manter ao longo dos anos e sobre o qual todos os candidatos à eleição presidencial deverão se pronunciar. Decisões importantes são polêmicas, desgastantes, porém necessárias. A democracia como uma técnica para a formação da decisão pública deve ser qualificada para a solução dessas tantas controvérsias, ainda que seja para manter o status quo. O pior de uma democracia é não debater.
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