A expressão Direito Constitucional Internacional foi cunhada pelo jurista russo Bóris Mirkine-Guetzévitch (1892-1955), na primeira metade do século XX, no período entre guerras, oferecendo um insight precioso à compreensão do fenômeno constitucional, com o livro Droit Constitutionnel International, em 1933. Ele dava o tom das novas tendências do direito constitucional – título de outro livro do mesmo autor, indicando que “nas novas constituições, a tendência para a racionalização do poder manifesta-se também pela penetração do DIREITO INTERNACIONAL nos textos constitucionais, pelo reconhecimento da força obrigatória das normas de direito constitucional” (MIRKINE-GUETZÉVITCH, Bóris. Novas Tendências do Direito Constitucional. Tradução de Candido Motta Filho. São Paulo: Nacional, 1933, p. 95). Para ele, a expressão Direito Constitucional Internacional serviria para estudar as normas de direito interno que têm efeito internacional. O termo serviria para “designar o conjunto de regras constitucionais nacionais que, por seu conteúdo, se revelam de alcance internacional” (MIRKINE-GUETZÉVITCH. Boris. Evolução Constitucional Européia. Tradução de Marina de Godoy Bezerra. Rio de Janeiro: José Konfino, 1957, p. 131-132).
Mirkine conduz sua perspectiva a partir da seguinte ótica: “A observação das relações internacionais leva-nos a constatar a indivisibilidade da paz e da democracia na realidade histórica, ou seja a estreita ligação entre a paz internacional e a liberdade interior”. E assevera ainda que a “democratização dos regimes internos conduz à pacificação da vida internacional; com o nascimento do Estado democrático, as relações entre Nações conhecem uma orientação nova: a técnica da liberdade no direito constitucional vai ao encontro da técnica da paz no direito internacional” (MIRKINE-GUETZÉVITCH. Boris. Evolução Constitucional Européia. Tradução de Marina de Godoy Bezerra. Rio de Janeiro: José Konfino, 1957, p. 131). Eis a relação com a questão do pacifismo jurídico, tema de outra postagem...
Tal perspectiva é retificada contemporaneamente por Cançado Trindade:
“Já não se justifica mais que o direito internacional e o direito constitucional continuem sendo abordados de forma estanque ou compartimentalizada, como o foram no passado. Já não pode haver dúvida de que as grandes transformações internas dos Estados repercutem no plano internacional, e a nova realidade neste assim formada provoca mudanças na evolução interna e no ordenamento constitucional dos Estados afetados. Ilustram-no, e.g., as profundas mudanças constitucionais que vêm ocorrendo nos países de Leste Europeu a partir de 1988-1989, visando a construção de novos Estados de Direito, durante cujo processo aqueles países foram levados gradualmente a tornar-se Partes dos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas. Estas transformações têm, a um tempo, gerado um novo constitucionalismo assim como uma abertura à internacionalização da proteção dos direitos humanos” (TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, v. 1, p. 403-404).
Tenho um artigo sobre a interconstitucionalidade comentando o assunto, redigido em parceria com o aluno Santiago Artur Sito, e a profa. Luciana Pena, publicado nos Anais do Conpedi de 2008.