CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 30 ANOS DEPOIS...
Gustavo Oliveira Vieira
(Doutor em Direito. Autor do livro “A formação do estado
democrático de direito”, Reitor da Universidade Federal da
Integração Latino Americana em Foz do Iguaçu, Paraná)
5.10.2018. Passaram-se 30 anos da promulgação da Constituição da
República Federativa do Brasil, que foi “apelidada” de “a
Constituição Cidadã”, por Ulisses Guimarães. Tempo propício
para um balanço de suas conquistas, efetivadas e interrompidas, e
desafios porvir. Sobretudo num período que se percebe que espectros
que ameaçam as conquistas democráticas rondam o Brasil. Quais
lições, ganhos, quais perdas, quais disputas estão e permanecem em
jogo?
A
Constituição é o espaço normativo, ápice da pirâmide da
hierarquia das normas, onde consta a organização dos poderes e das
liberdades de nossa sociedade. Antes de indicar algumas respostas,
cabe retomar o sentido originário da Constituição e do
constitucionalismo – que tem tradições diversas e por vezes é
usado no plural, constitucionalismos. Mas todo
constitucionalismo converge num ponto: a separação de poderes como
fórmula para contenção do despotismo, na síntese propiciada por
Montesquieu em “O Espírito das Leis”. Em nosso caso, três
poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário, diferenciados
funcionalmente para administrar, legislar e julgar).
Mesmo que suas realidades estejam longe das utopias republicanas,
funcionam, independentes e em condições de tomadas de decisões
autônomas entre si.
Nesses
30 anos o Brasil cresceu expressivamente. De 140 para mais de 200
milhões de pessoas (45%). A mortalidade infantil foi reduzida em
mais de 60%, e a expectativa de vida dos brasileiros aumentou em 10
anos, o analfabetismo reduziu. São alguns indicadores a evidenciar
que, apesar de tantos pesares, algo significativo em termos de
construção cidadã se concretizou. Sem falar nas eleições
periódicas desde então, com ajustes nos regramentos eleitorais com
vistas a filtros e transparência (como no financiamento).
De outro lado, problemas históricos seguem. Desigualdade social
como chaga brasileira e latino-americana – marca da persistente
violência estrutural. Um nível de violência direta epidêmico.
Ainda que a transparência sobre as decisões públicas tenha gerado
um crivo democrático mais qualificado na opinião pública, a coisa
pública ainda sendo tratada, em muitos casos, como res nullius –
como coisa de ninguém e passível de apropriação privada.
Evidente
que a força normativa da Constituição, como afirmou Hesse,
aquilo que viabiliza a concretude do texto, passa por mais que
registrar aspirações no papel. Depende também da compreensão de
sua essência (já alertava Lassalle). Mas certamente passa pela sua
legitimação pela sociedade civil, a opinião pública ou a esfera
pública.
Um
balanço efetivo demandaria um livro, não um texto de opinião. E
também é verdade que os desafios da Constituição brasileira em
vigor são para séculos, não realizáveis em poucas décadas. Mas
cabe registrar que estágios foram superados, à democracia e à
cidadania. E certamente é, a nossa Constituição, um garante
fundamental contra as ameaças despóticas que assombram nossos
tempos e as sombras do horizonte.