Gustavo Oliveira Vieira
O Canadá é uma referência para muitas sociedades, por seus baixos níveis de violência, distribuição de renda equilibrada, sistemas de saúde e educação citados como modelo, e aberto para a interculturalidade, atendo para as questões internacionais e praticante da segurança humana; é um dos países que melhor se posiciona no índice de desenvolvimento humano da ONU, e, uma das grandes economias do planeta. Ao mesmo tempo, o país não se fechou ante a onda de imigração, aplicando um conceito de inclusão social pós-nacional com comprometimento real em relação aos problemas além de suas fronteiras. É o segundo maior país em território do planeta, com uma população de apenas 34 milhões de pessoas que se concentra em mais de 80% na faixa de terra a 100 quilômetros da fronteira com os EUA, pertencentes basicamente a três nacionalidades distintas – quebecois (da Província de Quebec, de idioma francês), anglocanadenses (das demais províncias, idioma inglês) e aborígenes (que são de diferentes nações indígenas, grupos das populações nativas com aproximadamente três milhões de pessoas, também denominados de “primeiras nações” – first nations).
A “Constituição” canadense: um pouco de história
Os vikings nórdicos foram os primeiros não nativos a pisarem no solo canadense. Mas não conseguiram se fixar e manter a ocupação do território. A posterior colonização pelos franceses criou no grande país da América do Norte a “Nova França”. A região foi posteriromente conquistada pelo reino britânico em expansão, onde a população manteve a cultura francesa. A solução, pacífica, foi um ato político de reconhecimento da autonomia política relativa, sob controle parcial do reino britânico. O que fez com que o Canadá não se alinhasse à guerra civil estadunidense, para a qual o povo foi ensejado a participar.
Pais da Confederação, 1864-1867, afirmaram a formação de uma nova nação, uma nova nacionalidade política, uma nova e poderosa nação entre as demais nações do mundo, uma grande potência individual (Forsey, p. 7), tendo obtido sucesso na manutenção da cultura, e as instituições das províncias federadas.
A “Constituição” canadense foi originariamente chamada de “Lei da América do Norte Britânica, renomeado de “Ato Constitucional” de 1867 – uma lei do parlamento britânico na forma estatutária, mas elaborado pelos próprios canadenses sem qualquer participação direta do governo britânico. Ainda assim, as emendas precisavam ser aprovadas pelo parlamento britânico, mesmo que este sempre aprovasse ao que lhe fora solicitado, de modo que este manteve uma atuação mais formal que efetiva.
Apesar do Canadá ter demonstrado alguma autonomia para manter suas relações exteriores, foi, depois da Conferência Imperial de 1926 que se reconheceu como “comunidades autônomas” o Canadá, juntamente com a Austrália, a Nova Zelândia, a África do Sul e Irlanda, na condição de não subordinadas ao Reino Unido em suas decisões domésticas ou na definição das suas relações exteriores. De modo que a partir de 1927 o Ato Constitucional poderia ser “repatriado”, para que todo processo de emenda também pudesse ser concluído no país.
Por dificuldades na negociação interna sobre a forma de se fazer emendas constitucionais, apenas em 1982, com aprovação de 9 províncias, a “nacionalização” do Ato Constitucional se consolidou. Trata-se basicamente com o mesmo texto de 1867. Todavia, vale salientar que este ato é apenas parte de toda “constituição” em funcionamento no país. Os demais textos constitucionais que estabelecem o formato do funcionamento do governo, como o “Ato do Parlamento do Canadá”, as leis eleitorais, federal e provinciais. Tanto o Ato Constitucional quando suas ementas são feitas por acordos entre províncias e governo federal. O “texto constitucional” canadense é composto pelo “Ato Constitucional” de 1982 e outros 25 documentos primários.
Uma das importantes novidades do “Ato Constitucional” de 1982 foi a configuração de quatro procedimentos legislativos para aprovação de uma emenda constitucional, sendo cada fórmula procedural cobrindo assuntos e áreas específicas. Além disso, também foi criada uma “Carta Canadense de Direitos e Liberdades”, com direitos democráticos, liberdades fundamentais, liberdade de locomoção e de mobilidade social, direitos ligados ao devido processo legal, direitos de igualdade, idiomas oficiais e, em certas circunstâncias, direitos às minorias de educação no seu idioma.
Federalismo
A melhor maneira encontrada pelos chamados Pais da Confederação, para endereçar as controvérsias existentes no vasto território, com populações isoladas pela extensão e demais barreiras geográficas, com idiomas e interesses diferentes, ao mesmo tempo receosos todos de uma invasão dos EUA, foi uma Federação, consolidada pela “Lei da América do Norte Britânica” (British North America Act),. A solução para trazer todos a um mesmo sistema, mantendo as autonomias locais e culturais.
Foram 4 as Províncias Originárias da Confederação reconhecida em 1867, Nova Scotia, Nova Brunswick, Ontário e Quebec. A forma de Estado do Canadá é o federalismo, com mecanismos de auto-governo das 10 províncias dos 3 territórios. Cada província tem seu sistema de auto-governo, com representações em relação a todos os poderes. União tem um poder bastante centralizado, desenvolvido pelos Chefes de Governo, de Estado, e o Parlamento. As províncias têm seus parlamentos e um governor-lieutenant que corresponde ao Governador Geral no âmbito provincial.
Os textos constitucionais garantiram a manutenção do sistema de civil Law para a província de Quebec, enquanto as demais províncias têm o common Law, e o uso do inglês e do francês como idiomas oficiais.
Monarquia Constitucional
O Canadá é uma monarquia constitucional, tendo como chefe de Estado a Rainha, que é a mesma para a Grã-Bretanha, Austrália e Nova Zelândia. Todos os atos do governo são feitos em nome da rainha, cuja representação é realizada pela figura do(a) Governador(a) Geral exceto quando a Rainha está em solo canadense. O(a) Governador(a) Geral deve ser um(a) canadense, indicado(a) pela Rainha que trabalha com o Primeiro Ministro do Canadá.
Chefia de governo
O sistema de governo do Canadá é o parlamentarismo, com uma personalidade angular que é o Primeiro Ministro, chefe de governo, indicado pelo partido que tem a maioria dos votos. O gabinete do poder executivo é composto pelo Governador-Geral e o Primeiro Ministro. É o gabinete que prepara os projetos de lei à Casa dos Comuns.
O gabinete é o único responsável por apresentar o projeto de orçamento, definição de gastos públicos ou estabelecer impostos, que não podem ser iniciados pela Casa dos Comuns, nem aumentá-los sem recomendação real em forma de mensagem ao Governador Geral. O senado não pode nem aumentar impostos ou orçamento. Mas ambas as casas do parlamento podem fazer uma moção para reduzir impostos ou gastos públicos que podem ser aprovados pela própria casa.
Entre os atos que pode a Casa dos Comuns tomar para manifestar desconfiança em relação aos dirigentes do executivo, estão a “moção de censura” ou a “moção de falta de confiança”, atos que podem levar a novas eleições nacionais. Os ministros do cabinet respondem e são acreditados pela Casa dos Comuns.
Parlamento – Democracia representativa
O Parlamento canadense é bicameral, dos quais fazem parte a Casa dos Comuns (House of Commons), com membros eleitos, e o Senado, com membros indicados. Casa dos Comuns, principal casa legislativa, é composta por 308 membros, de representação do povo das províncias, distribuídos proporcionalmente pelo número de habitantes, sendo: 106 para Ontario, 75 para Quebec, 36 para British Columbia, 28 para Alberta, 14 para Manitoba, 14 para Saskatchewan, 11 para Nova Scotia, 10 para New Brunswick, 7 para Newfoundland e Labrador, 4 para a Ilha Prince Edward, 1 Territórios do Noroeste e 1 para Nunavut e 1 ao Território de Yukon.
O líder do partido político que conquista nas urnas a maioria, simples, dos assentos da Casa dos Comuns, solicita ao Governador Geral para se tornar o Primeiro Ministro. O segundo partido mais votado assume a oposição, e tem um orador oficial em relação ao que é defendido pela situação. Ambos os partidos tem orçamento público destinado para realizar pesquisas, como forma de dar melhores condições à oposição para construir um sistema de contrapeso àqueles que assumem o poder. O Senado é composto por 105 membros, indicados pelo Governador Geral sob recomendação do Primeiro Ministro. O parlamento nacional tem competência legislativa para fazer leis sobre a paz, a ordem e a boa governança do país, com exceção daquelas exclusivas das legislaturas das províncias.
A Suprema Corte
Instituída pelo Parlamento em 1875 por delegação constitucional, a Suprema Corte do Canadá é composto por 9 juízes indicados pelo Governador Geral em coordenação com o Primeiro Ministro, que julgam aproximadamente 75-90 casos por ano, que chegam em regra após interposição de recursos da Corte Federal de Apelação (sede recursal da Corte Tributária do Canadá e da Corte Federal) e as Cortes de Apelação Provinciais (sede recursal das Cortes Superiores Recursais das províncias ou territórios que por sua vez respondem a recursos dos atos das Cortes Provinciais).
Por fim…
1. Não se pode compreender a igualdade social no Canadá sem obter dados do sistema tributário que provê a distribuição da renda no Canadá e a concentração da renda no Brasil. Os tributos sobre o consumo são baixíssimos, comparados ao Brasil, o que faz vários bens de consumo serem vendidos pela do preço metade do que custam no Brasil (como carro, eletrônicos, etc.), democratizando o acesso. De outra banda, a tributação sobre a renda é bem mais pesada, desde a isenção podendo chegar até 55% da renda para os mais ricos – enquanto nosso sistema brasileiro vai até 27,5%, ou seja, a metade.
2. O que o sistema canadense ensina com propriedade é o valor da tradição, pois, mesmo um sistema monárquico arcaico pode ter resultados de vanguarda quando há vontade de concretizar, cultura de planejar e comprometimento e compromisso com o que é coletivo e comum. As indicações governamentais se adaptam aos tempos conforme a meritocracia, em detrimento ao patrimonialismo – que reina entre nós brasileiros (ou latinos). A “adultidade” de que Kant falava, ao relacionar “esclarecimento” ao sapere aude, é possível, e sem paternalismos. De forma muito empírica, ouso dizer que os cidadãos são tratados como adultos e se confia que farão o correto.
FORSEY, Eugene. How Canadians Govern Themselves. 7. Ed. Ottawa,1980.
PS: O texto é uma síntese de notas pessoais obtidas durante "Democracy Study Tour 2011", 31 janeiro a 4 de fevereiro 2011, realizado em Ottawa, com patrocínio do Bureau Canadense para Educação Internacional e Departamento de Relações Exteriores e Comércio Internacional.
Caro Gustavo,
ResponderExcluirParabéns por trazer um texto brilhante sobre federalismo no Canadá. O repassarei nas nossas listas federalistas.
Vejo que é de Porto Alegre, então sugiro que procure o Economista Paulo de Tarso Pinheiro Machado, presidente do Instituto Federalista do RS - paulodetarso@polors.com.br - vou colocá-lo a par também, quem sabe possam unir forças e intelectos na construção de uma mensagem federalista para o Brasil, tão carente de um modelo pleno de autonomias locais e regionais, considerando a enormidade desse território.
Aproveito para convidar a visitar www.movimentofederalista.org.br e www.caranovaparaobrasil.com.br
Saudações Federalistas
Thomas Korontai
Obrigado Thomas pelas sugestões, vou ver os sites!
ResponderExcluirabraço!
Olá Gustavo!
ResponderExcluirGostei muito deste texto e vejo que você tem a prática de muitos assuntos que tenho interesse. Obrigada pelas informações!
Abs
Márcia Miari