Gustavo Oliveira Vieira
É mais do que sintomático o fato da teoria da Análise Econômica do Direito (AED, no inglês Law and Economics) ter recebido impulso importante com a proposição de um economista inglês na década de 60, e ter encontrado terreno fértil na década de 70 no Reino Unido e sobretudo nos EUA. Trata-se de uma visão que estava de acordo com o seu contexto, de construção efetiva de um Estado de Bem-Estar Social no Reino Unido, mesmo ambiente e tempo que forjou as origens do neoliberalismo. Isso tem a ver como uma forma de compreender o Direito, com o conceito de Direito e de sua função.
Para iniciar então é preciso firmar esse ponto de vista. Eu entendo que o Direito carreia um projeto civilizatório de integração social na perspectiva da solidariedade, hoje bem compreendido na relação entre Direito e Democracia. O Direito não apenas como procedimento, mas, sem dúvidas, como disse o professor Bolzan no título de um artigo, o Direito como Direitos Humanos, “de todos, em todos os lugares” – portanto, um procedimento balizado pelo conteúdo (garantista e includente). No meu ponto de vista, os Direitos Humanos trazem um referencial que melhor demonstram a co-originariedade entre Direito e Moral já assinalado por Habermas.
Moral que se tentou desvencilhar do Direito. O positivismo jurídico contemporâneo – com Hans Kelsen, Ross e Hart – tinha como tarefa primordial a separação do Direito da Moral (para ‘tolerar’ o politeísmo de valores - Weber) e da Política (para blindar o Direito das vicissitudes do poder). Sobretudo, a idéia da pureza do Direito estava voltada a construção de um estatuto científico do Direito. Eles construíram teorias importantes para a compreensão da autonomia do sistema do Direito. Além do mais, está claro hoje que não se faz Direito sem atos de poder e sem juízos morais.
Nesse sentido, eu gostaria de expor algumas críticas sobre a AED, calcado na premissa de que o Direito não cabe na Economia.
1. Um dos fundamentos da análise econômica do Direito é a escassez dos recursos. Os Estados gastaram ano passado aproximadamente 1,4 trilhão de dólares estadunidenses em armas. Desperdício de água, alimentos, produtos, recursos naturais e culturais.
Os recursos não são escassos, mas são mal distribuídos.
2. Para o professor Lenio Streck, a AED é “predatória”.
É duplamente predatória. Tenta fazer com que a Economia englobe o Direito, incutindo neste um racionalismo instrumental, usurpador da autonomia científica do Direito, que tem como repercussão o sentido predatório ao desafio civilizatório do Direito, como transformador da sociedade – no paradigma do Estado Democrático do Direito. Esse referencial do Direito como Democracia é condição para se reconhecer e perseverar no Direito de todos em todos os lugares.
3. A AED fomenta a fragmentação social. Ao passo em que a preponderância da lógica econômica favorece a fragmentação da sociedade, no sentido do liberalismo econômico agregado às propostas de um neocapitalismo socialmente descompromissado.
Eu entendo que cabe uma análise Sociológica do Direito – como a exemplo da Teoria dos Sistemas Autopoiéticos de Niklas Luhmann, cabe uma análise Filosófica do Direito – como a matriz hermenêutica heideggeriana-gadameriana sustentam. Por que sociedade e filosofia contemplam o Direito. Mas o Direito não cabe na Economia.
A Análise Econômica do Direito é benvinda, no sentido em que oferece uma experiência interdisciplinar, da Economia em direção ao Direito. Não mais do que isso. A AED é extemporânea, é espacialmente deslocada, cientificamente inconsistente e é civilizatoriamente predatória.
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