segunda-feira, 31 de maio de 2010

O DIREITO NÃO CABE NA ECONOMIA

Gustavo Oliveira Vieira


Para iniciar então é preciso firmar esse ponto de vista. Eu entendo que o Direito carreia um projeto civilizatório de integração social na perspectiva da solidariedade, hoje bem compreendido na relação entre Direito e Democracia. O Direito não apenas como procedimento, mas, sem dúvidas, como disse o professor Bolzan no título de um artigo, o Direito como Direitos Humanos, “de todos, em todos os lugares” – portanto, um procedimento balizado pelo conteúdo (garantista e includente). No meu ponto de vista, os Direitos Humanos trazem um referencial que melhor demonstram a co-originariedade entre Direito e Moral já assinalado por Habermas.

Moral que se tentou desvencilhar do Direito. O positivismo jurídico contemporâneo – com Hans Kelsen, Ross e Hart – tinha como tarefa primordial a separação do Direito da Moral (para ‘tolerar’ o politeísmo de valores - Weber) e da Política (para blindar o Direito das vicissitudes do poder). Sobretudo, a idéia da pureza do Direito estava voltada a construção de um estatuto científico do Direito. Eles construíram teorias importantes para a compreensão da autonomia do sistema do Direito. Além do mais, está claro hoje que não se faz Direito sem atos de poder e sem juízos morais.

Nesse sentido, eu gostaria de expor algumas críticas sobre a AED, calcado na premissa de que o Direito não cabe na Economia.

1. Um dos fundamentos da análise econômica do Direito é a escassez dos recursos. Os Estados gastaram ano passado aproximadamente 1,4 trilhão de dólares estadunidenses em armas. Desperdício de água, alimentos, produtos, recursos naturais e culturais.
Os recursos não são escassos, mas são mal distribuídos.

2. Para o professor Lenio Streck, a AED é “predatória”.
É duplamente predatória. Tenta fazer com que a Economia englobe o Direito, incutindo neste um racionalismo instrumental, usurpador da autonomia científica do Direito, que tem como repercussão o sentido predatório ao desafio civilizatório do Direito, como transformador da sociedade – no paradigma do Estado Democrático do Direito. Esse referencial do Direito como Democracia é condição para se reconhecer e perseverar no Direito de todos em todos os lugares.

3. A AED fomenta a fragmentação social. Ao passo em que a preponderância da lógica econômica favorece a fragmentação da sociedade, no sentido do liberalismo econômico agregado às propostas de um neocapitalismo socialmente descompromissado.

Eu entendo que cabe uma análise Sociológica do Direito – como a exemplo da Teoria dos Sistemas Autopoiéticos de Niklas Luhmann, cabe uma análise Filosófica do Direito – como a matriz hermenêutica heideggeriana-gadameriana sustentam. Por que sociedade e filosofia contemplam o Direito. Mas o Direito não cabe na Economia.
A Análise Econômica do Direito é benvinda, no sentido em que oferece uma experiência interdisciplinar, da Economia em direção ao Direito. Não mais do que isso. A AED é extemporânea, é espacialmente deslocada, cientificamente inconsistente e é civilizatoriamente predatória.

sábado, 8 de maio de 2010

DIPLOMACIA PARLAMENTAR



Foto da Audiência Pública da Comissão de Relações Exteriores realizada na Câmara de Deputados em 4 de maio de 2010. Eugênio Sá da Avibrás, Major-Brigadeiro Marcelo Mario de H. Coutinho do Ministério da Defesa, Deputado Fernando Gabeira, Ministro Santiago I. Mourão do Ministério de Relações Exteriores e eu, Gustavo Vieira, representando a CMC/ICBL e Campanha Brasileira contra Minas Terrestres e Bombas Cluster.



Gustavo Oliveira Vieira

As novas demandas impostas pelo processo de mundialização têm exigido participação mais ativa no sistema internacional dos tomadores de decisão legitimados pelo processo democrático, ao mesmo tempo em que a pressão por democratizar o sistema internacional aumenta. Tudo isso tem demonstrado a necessidade da tomada de posição por parte dos parlamentares, representantes do Poder Legislativo legitimados por meio do voto direto dos cidadãos, em temas de política externa, além da criação de novas instancias políticas próprias para isso como o Parlamento Europeu e agora o Parlamento do MERCOSUL - PARLASUL.

É conhecida a atuação do Congresso Nacional para referendar a participação do Brasil a ato internacional – após o Poder Executivo assinar tratado internacional o Poder Legislativo precisa aprovar por meio de Decreto Legislativo -, e o STF tem problematizado também a necessidade do mesmo ato em caso de denúncia a tratado internacional pelo Brasil. Mas quando o Estado se omite em relação a certas questões no âmbito da política internacional, o que fazer?

A semana passada, 3-7 de maio de 2010 ofereceu-nos dois brilhantes exemplos sobre como isso pode ser feito. (1) 68 senadores dos Estados Unidos da América assinaram um ato requerendo à Administração Obama que se unam ao Tratado de Erradicação das Minas Terrestres de 1997 (que já conta com 156 Estados Partes) – são mais de 2/3 dos membros do Senado, ou seja, já tem apoio necessário para a eventual ratificação do ato internacional; (2) a Câmara dos Deputados da República Federativa do Brasil sediou uma Audiência Pública da Comissão de Relações Exteriores com o objetivo de debater a fabricação de Bombas Cluster por parte do nosso Estado – chamando os Ministérios da Defesa, Ministério de Relações Exteriores, sociedade civil e indústria bélica a manifestarem-se a respeito.

Esse último caso traz um exemplo útil. O Brasil não assinou a Convenção sobre Munições Cluster que estabelece a erradicação dessas armas. Qual opção tem o Congresso e seus membros para agirem? A opção encontrada pelo Deputado Federal Fernando Gabeira para alinhar o Brasil na referida política humanitária internacional foi a de propor um projeto de lei (PL 4.590/2009) estabelecendo termos do tratado internacional como lei interna e chamando audiência pública sobre o tema. Aliás, no âmbito das negociações da Convenção sobre Munições Cluster, também conhecida como Convenção de Oslo, os eventos diplomáticos eram acompanhados de reuniões de parlamentares de todo o mundo, firmando uma espécie de chamamento para que os parlamentos se posicionem sobre temas prementes da política internacional.

É preciso trazer ao debate público a tomada de posições do Estado sobre sua política externa, e o Congresso Nacional pode desempenhar um importante papel nesse sentido. A diplomacia parlamentar é um imperativo do estado da mundialização e da política internacional do século XXI e ambos os exemplos citados acima, nos EUA e no Brasil, demonstram como a diplomacia parlamentar pode agir em prol do povo representado e em prol da humanidade, simultaneamente.