Gustavo Oliveira Vieira
Implicações
Constitucionais da Mundialização
Quais são os impactos da mundialização sobre o constitucionalismo? Qual o
modelo de Estado constitucional adequado em tempos de globalização? Qual é a
direção, do ponto de vista jurídico-político, que se deve equacionar a abertura
do Estado no cenário pós-nacional? Diante das ameaças hegemômicas e de
dominação, quais são os referenciais que perpetuam o constitucionalismo como
base para um projeto civilizatório pautado na emancipação social deste ambiente
que transcende as cercanias estatais? Foram estas indagações que pautaram a
pesquisa que resultou no livro “Constitucionalismo na Mundialização”.
A investigação parte da premissa de que os desafios contemporâneos do
constitucionalismo vêm sendo redimensionados para abranger as dinâmicas
próprias do cenário pós-nacional. Isso não significa que os reptos inaugurais
do Estado constitucional, da emancipação do jurídico em relação ao campo
político, tenham se esgotado, mas, concomitantemente, novas tarefas
apresentam-se, como as questões socioambientais e democráticas, emaranhadas na
diluição das fronteiras entre o doméstico e o exterior, o interno e o internacional.
Tudo isso, amplamente catalisado pelos processos multidimensionais e ambíguos
da mundialização.
A transnacionalização do capitalismo acompanhada das mudanças na produção
e financeirização da economia, sob o aporte das novas tecnologias, instaura complexidades
de mais profundo calado nas dinâmicas sociais, políticas e jurídicas.
Engendra-se, com isso, uma situação de crises – tanto do Estado quanto da
Constituição – e de transformações em que as respostas institucionais tecidas
no Estado nacional constitucional demonstram claro esgotamento, sobretudo na
medida em que já não se crê ou não se confia mais nas expectativas que
originaram o seu modelo – e por isso a pertinência de se falar na transição
paradigmática do Direito.
O fato de o arquétipo institucional forjado pelo Estado nacional
estabelece demarcações espaciais para a organização política, jurídica e
cultural da comunidade que passam a demonstrar uma certa exaustão. O novo
cenário impõe uma revisão nos pressupostos do Estado Democrático de Direito,
notadamente no que diz respeito às condições de legitimação das decisões
políticas além das margens nacionais – originalmente blindados às deliberações
do tipo democráticas.
Dito de outro modo, se o zeitgeist
desenhado pela mundialização redimensiona espacial e temporalmente a faticidade
contemporânea, acarretando uma verdadeira implosão dos pilares que amparam o
Estado em seus pressupostos de legitimidade – na medida em que os procedimentos
democráticos efetivamente não alcançam a composição de discussões, decisões e
deliberações que se colocam além do Estado nacional – o mérito das decisões
falham na sustentação democrática. Nesse contexto, o Estado tende a ser cada
vez mais um co-decisor em espaços deliberativos extranacionais, cuja opção e
pertinência sobre as tarefas para implementação doméstica colocam-se à margem
da esfera pública democrática. É em
torno desse quadro que se esculpiu a questão que orienta a pesquisa.
Direitos Humanos, Sociedade Civil
e Democracia no cenário pós-nacional
A relevância deste assunto emerge da faticidade de uma sociedade em
processo de mundialização, em contraponto a um paradigma
jurídico-constitucional forjado para um Estado do tipo nacional, que precisa
dialogar com perspectivas teóricas interdisciplinares para tornar possível uma
nova abordagem. Afinal, o sistema internacional dominado pela política do
mercado demanda um maior equilíbrio que deve ser posto pelo Direito, com
evidentes lacunas do ponto de vista da democracia, a ser composto pela maior
participação da Sociedade Civil.
Tudo isso vem a estabelecer novos
desafios ao Direito como ciência, revisitando a relação com a Moral (Paz) e a
Política (internacional) a partir de proposições à teoria as fontes
(internacionalização do Direito Constitucional e Constitucionalização do
Direito Internacional) que concebam um olhar contemporâneo sobre a relação
entre o Direito e a Democracia, compreendidos também sob novas transposições da
geografia, ou melhor, o Direito e da Democracia sob impacto da
desterritorialização (da sociedade, do mercado, da cultura e da política).
Nesse cenário, pertine compreender o fenômeno mundialização, sintetizado
na formação de um cenário pós-nacinal que se desvela como zeitgeist
contemporâneo, em sua complexidade e ambiguidade para, daí, revisar a dupla
face do impacto produzido no constitucionalismo, que vai da internacionalização
do direito constitucional à constitucionalização do direito internacional.
Segundo o prefácio de Bolzan de Morais, “[s]ó assim este trabalho se
construiu, como um texto que procura reconstruir as circunstâncias que envolvem
as transformações sofridas/experimentadas pelo cenário político-institucional
contemporâneo, especialmente no campo dos direitos humanos e do
constitucionalismo – e suas imbricações intrínsecas -, bem como projetar as
possibilidades de as conquistas civilizatórias servirem como meios efetivos e
eficazes para a construção de uma “alter”sociedade mundial demarcada pela
“paz”, pelos “direitos humanos” e pela “democracia” em um processo de “vir-a-ser”
aberto e inacabado, como Gustavo sustenta”.
Estrutura e Origem
O texto é desenvolvido em duas partes, cada parte com dois capítulos. A
primeira parte trata da (I) “Formação do Cenário Pós-Nacional”, que aborda de
início (1) “Uma leitura crítica da mundialização”, subdividida em três
subcapítulos, e no segundo capítulo enfrentando o tema da (2)
“Altermundialização”, inicialmente com a questão dos (2.1) “Direitos Humanos
Universais” e em seguida aprofundando a questão da (2.2) “Sociedade Civil
(Global)”. A segunda parte tem como título as (II) “Implicações Constitucionais
da Mundialização”, cujo primeiro capítulo, terceiro do livro, aborda o (3)
“Redimensionamento do Constitucionalismo”, de um lado enfrentando a (3.1)
“Internacionalização do Direito Constitucional”, à luz dos autores
Mirkine-Guetzévitch, Häberle, Maziau, Pernice, Teubner, Canotilho e Marcelo
Neves, para, em seguida, enfrentar a questão da (3.2) “Constitucionalização do
Direito Internacional”. Com isso, estão dadas as bases para o quarto e último
capítulo: (4) “O Constitucionalismo pós-nacional”, que produz uma síntese das
críticas e promove uma revisitação à teoria constitucional, propondo a busca
por novas fontes de legitimidade, traduzidas com densidade teórica e
proposições práticas.
O livro “Constitucionalismo na Mundialização: desafios e perspectivas da
democracia e dos direitos humanos”, publicado pela Editora da UNIJUÍ, ano 2015,
344p., é resultado da tese de doutoramento de Gustavo Oliveira Vieira,
defendida em 2012 no Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS, com
período sanduíche na University of Manitoba, Canadá, e orientada e prefaciada
pelo professor Dr. José Luis Bolzan de Morais, cuja defesa contou com a
presença dos professores José Luiz Quadros de Magalhães(PUC-MINAS/UFMG),
Alfonso de Julios-Campuzano(USevilha), Paulo Márcio Cruz (UNIVALI) e Lenio Luiz
Streck (UNISINOS), além do orientador. Entretanto, cabe salientar que a
pesquisa de fato iniciou muito antes, no perído da iniciação científica em
1998, sob o título “A Constitucionalidade dos Tratados Internacionais de
Direitos Humanos”, e daí teve uma série de desdobramentos, cujo desfecho foi a
tese.
“Uma leitura estimulante, não
apenas sob o aspecto técnico, mas também ético”. (Fábio Konder Comparato).
VIEIRA, Gustavo
Oliveira. Constitucionalismo na
Mundialização: desafios e perspectivas da Democracia e dos Direitos
Humanos. Ijuí: Unijuí, 2015.