quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O PENSAMENTO POLÍTICO-PACIFISTA DE ÉRICO VERÍSSIMO EM 'O PRISIONEIRO'

Direito e Literatura - O prisioneiro from Unisinos on Vimeo.



52° Programa - Obra: O prisioneiro, de Érico Veríssimo - Exibição: 18/10/2009 - Apresentação: Prof. Dr. Lenio Luiz Streck (IHJ) Convidados:Prof. Me. Gustavo Oliveira Vieira (Direito/Unifra e Unisinos)Profª. Drª. Maria da Glória Bordini (Letras/Ufrgs). Edições disponíveis em: http://www.unisinos.br/direitoeliteratura/

Agradeço, já de início, pela oportunidade de ter participado deste qualificado programa/projeto, ao professor Lenio Streck e ao seu produtor, André Karam Trindade.


Gustavo Oliveira Vieira

- Você não acredita então na possibilidade duma paz definitiva?
- Não, enquanto a Engrenagem que aí está continuar funcionando. E fique sabendo também, meu amigo, que desejo apaixonadamente a paz, sim, não a paz dum cemitério atômico. (o tenente e a professora, p. 205)


Neste rápido ensaio, eu gostaria de comentar a obra O Prisioneiro de Érico Veríssimo (1905-1975). Escrito em 1967, não diz expressamente o nome dos países envolvidos, mas é evidente que trata da guerra dos EUA no Vietnã. E a dedicatória diz muito a respeito do contexto do livro: Aos meus netos Michael, Paul e Edward dedico com amor este livro, que me doeu escrever. Aos netos estadunidenses, Érico traz a tona uma crítica sofisticada sobre o belicismo estadunidense, sobre a equivocada pretensão de superioridade da potência ocidental, ao racismo, entre outros temas permite defini-lo como a crítica de um pacifista à guerra do Vietnã.

Nesse sentido, a relação interdiscilinar mais adequada para o direito é com relação ao Direito Internacional, sinônimo de Direito Internacional da Paz. Tanto nos seus sub-ramos do Direito Internacional Humanitário, quanto o Direito Internacional dos Direitos Humanos emergem dos acontecimentos no país do sudeste da Ásia. Entre os temas presentes de maneira importante, estão: a guerra, o diálogo intercultural, a pretensão de superioridade cultural do ocidente, as religiões, o terrorismo, a tortura, o racismo e o anti-semitismo.

Os personagens principais da trama são: o coronel, o major, o tenente, o sargento, o médico, a professora e o prisioneiro propriamente dito. Os militares são todos da grande potência, deslocados ao exterior e hospedados no mesmo hotel. Cada um com seu drama pessoal, que de alguma forma se enlaça às críticas.

O coronel é o quem chefia a atividade militar, na cidade onde tudo acontece. Filho de um religioso pastor e casado com um modelo de esposa para os seus referenciais religiosos, que é uma mescla de mãe e irmã. Dormem em camas separadas, e sem vida sexual, acaba envolvendo-se com outra mulher, divorciada e com filhos – comportamento que gera um peso moral ao coronel que é rechaçado veementemente pelo pai. Mentalmente elabora cartas a sua filha. É a voz do pentágono nos diálogos com o major.

O major, por sua vez, gordo, está separado pelo fato de sua esposa não suportar a intromissão da sogra. O que o conduz a chafurdar em ambientes e excessos hedonistas. Exprime olhar crítico sobre a atuação da potencia e o status civilizatório.

Já o drama íntimo do tenente tem papel central na novela. Filho de uma mãe branca e pai negro, ele sofre com o racismo de todos os lados, pelo pai por ser negro, a mãe pelo fato de ter se casado com um negro foi excluída do seu meio, e o próprio tenente tem um drama íntimo de querer ser branco. Até mesmo seu filho recebe uma pedrada ao freqüentar escolha de integração inter-racial. Racismo, kkk, a morte da prostituta K. por força de ação terrorista, suicídio do pai e a tortura, tudo isso de alguma forma amenizado nas conversas com a professora.

A professora sofreu violência sexual por um grupo de militares nativos do pequeno país do sudeste asiático. E hoje mantém uma instituição voltada para meninas. É a voz crítica, do pacifismo e da serenidade.

O texto é composto por três grandes diálogos, entre o coronel e o major, o tenente e a professora, e o tenente e o médico, somado às reminiscências dos personagens que de alguma forma justificam suas decisões. Os dramas familiares do coronel e do major, a questão do racismo nas principais marcas da vida do tenente, o histórico de violência sexual da professora e o sofrimento nos campos de concentração causado pelo anti-semitismo nazista sobre o médico judeu.

Para se ter uma idéia da qualidade e profundidade dos elementos explorados, abaixo alguns trechos das conversas entre o tenente e a provessora

CONVERSAS ENTRE O TENENTE E A PROFESSORA


A democracia – “deusa de mil faces cuja fisionomia verdadeira ninguém nunca viu” (p. 203)
A guerra
“- É possível que os seus bravos fuzileiros acreditem sinceramente em que estão com a causa da justiça e da democracia. A lavagem de cérebro entre os comunistas é drástica, violenta e impiedosa. Mas a lavagem de cérebro nos países capitalistas tem sido suave, lenta e imperceptível. Começou há mais de um século e condicionou a maneira de pensar e sentir de suas populações, preparando-as até para coonestar o ‘genocídio justificado’, a aceitar as ‘guerras santas’. Mata-se em nome de Deus, em nome da pátria e em nome da Democracia, essa deusa de mil faces cuja fisionomia verdadeira ninguém nunca viu” (a professora, p. 203)

Guerra fria. “Sejamos honestos – continuou a professora . – Nem os países capitalistas nem os comunistas estão fundamentalmente interessados na paz. O que buscam mesmo é a própria hegemonia militar nesse perigoso jogo pelo domínio mundial. O que querem, acima de tudo, é reforçar suas zonas de segurança, ampliar seus mercados, conquistar mais fontes de riqueza e de matérias-primas. Para isso precisam de soldados, de armas e de slogans. É nesse ponto que entra em cena a propaganda guerreira servida pela subversão semântica” (a professora, p. 204).
Ao falar sobre Karl Von Clauzewitz, o general prussiano que escreveu sobre estratégia militar, partidário da guerra total. “Foi ele quem afirmou que a guerra é a continuação da política. Pois eu tenho uma correção a fazer (perdoe-me a presunção) nessa frase famosa. Acho que a guerra é a continuação do comércio entre as nações. A diplomacia, instrumento da política externa, é apenas uma frágil e formal ponte de papel estendida sobre o estreito rio dos interregnos de paz. Às vezes é também espionagem. Outras, o minuete que precede a hecatombe...” (a professora, p. 208)
“Aqui combatemos os que convencionamos chamar de vermelhos. Mas não serão, todas essas revoltas, lá e aqui, fragmentos da mesma luta provocada pela incurável estupidez humana? O desconcertante é que trinta por cento dos soldados de nossa tropa nesta frente de guerra são pretos. Isso tem sentido?” (o tenente, p. 220)

O racismo.
“O pastor de nossa paróquia disse uma vez num sermão dominical que o corpo é a casa da alma e por isso deve ser respeitado. Ora, eu acho que no caso dos pretos, o corpo é a penitenciária de seu espírito. E quem tem a chave que nos poderá libertar? Os brancos?” (o tenente - p. 220).

A palavra:
“Na minha opinião (permita-me uma metáfora) as palavras são as sombras das coisas, das pessoas, dos fatos e das idéias que representam. A fidelidade da sobra com relação ao objeto...quero dizer: o tamanho, a forma, a intensidade, depende da posição do foco de luz, isto é, o temperamento da pessoa e sua maior ou menor habilidade no uso da linguagem. Falei claro?” (a professora - p.212)

Deus: “A idéia da existência de Deus não tem impedido que os homens, através de milênios, se tenham matado em guerras brutais. O importante, me parece, não é temer a Deus mas amarem-se os homens uns aos outros... ou pelo menos não se odiarem tanto, a ponto de recorrerem à violência para resolver problemas de coexistência” (a professora, p. 208 e 209).

Vários temas podem ser relacionados a esta qualificada obra da literatura:
1. Crítica à pretensão de superioridade cultural do ocidente
2. Crítica à Guerra.
3. Crítica ao belicismo estadunidense e ao terrorismo
4. Crítica às religiões e aos fanatismos.
5. Crítica à modernidade.
6. Crítica aos totalitarismos de toda espécie
7. Crítica ao racismo e ao anti-semitismo

Apesar do título do livro fazer uma menção clara ao prisioneiro que é morto durante as torturas perpetradas pelo sargento, todos na trama são, de alguma forma, prisioneiros. Trata-se de uma crítica à expectativa de liberdade, o grande lema da superpotência americana. O prisioneiro é a antítese da liberdade. A nação da liberdade é um mecanismo de aprisionamento. Ao invés de todos serem livres, todos são, de alguma forma ou de outra, prisioneiros.

VERÍSSIMO, Érico. O Prisioneiro. Porto Alegre: Globo, 1978.